segunda-feira, outubro 31, 2005

Algo, enfim..

Acordar tarde (ali pelas 14:00.. 14:30); esticar o braço e ligar o computador; levantar, se olhar no espelho e pensar: "como tu é bonito!"; voltar pro pc e jogar conversa fora uma boa parte da tarde; almoçar; às vezes, ir pro inglês.. outras, olhar tv; faculdade; decidir que a aula será mais curta e ir pro pancho; comer, rir e conversar; fingir que as últimas aulas não existem e ir embora; conectar novamente; às vezes, olhar um filme.. outras, escutar música; ficar acordado até tarde (4:00); ligar o ventilador; deitar e dormir.
Essa é a minha rotina semanal. Estranha? Pra mim ela é bem normal. Todavia, há dias que são exceções. Dias que eu faço algo de útil, ou não, mas que de qualquer forma acabam quebrando as "regras". Hoje foi um dia desses em que eu sentia uma imensa necessidade de fazer algo diferente mas acabei acordando tarde demais pra isso, por volta das 16:00. (Nota: essa necessidade de fazer algo diferente está sendo quebrada nesse exato momento afinal fazia tempo que não escrevia nada pra pôr aqui.)
Passei o dia todo - o meu dia começou as 16:00, isso significa que não passei muito tempo - olhando pra sujeira que está impregnada no meu quarto e senti uma grande vontade de acabar com ela - porque além de dorminhoco e preguiçoso, eu ainda sou relaxado. Mas a preguiça foi tamanha que eu não consegui mover nem um dedo em direção ao aspirador de pó, apesar do incômodo que eu estava sentindo. Então, eis que algo totalmente absurdo me passa pela cabeça. Devia existir um limpador automático que funcionasse com a força do pensamento! Imaginem que invento genial pra nós, os preguiçosos e inúteis.
Imaginem comigo. Tudo extremamente bagunçado - e é assim o estado em que o meu quarto se encontra neste exato momento - e com a incrível força do pensamento, tudo seria limpo em um piscar de olhos, assim como acontecem nos filmes da sessão da tarde. Os pedaços de amendoim, as tampinhas de garrafa, os pedaços de papel e todo resquício de sujeira, iriam direto pra lixeira. Ou melhor, iam direto pra rua. Assim eu não teria que ir levar o lixo até lá embaixo. Nota-se que eu prezo pelo menor esforço possível. Se ele não existir, melhor.
(Este texto foi escrito a alguns dias.. algumas coisas mudaram.)
Os amendoins sumiram, os papéis se foram e (quase) toda a sujeira que existia no quarto também. Não, eu ainda não aprendi a fazer a sujeira ir embora com a força do pensamento. E em hipótese alguma eu tive um lapso de limpeza. A solução foi algo inusitado. Minha mãe resolveu vir me visitar e fez uma limpa no meu quarto. Essas são as vantagens de morar sozinho: as visitas da mamãe!

terça-feira, outubro 04, 2005

Gosto de Marlboro

Entrou apressada, fugindo da chuva que começava de novo. Uma garoa fina, chata, que encobrira Porto Alegre durante o dia todo. Gostava dos dias cinzas, ainda que lhe parecessem taciturnos, e gostava, em especial, dos dias chuvosos, apesar de, ironicamente, fugir da chuva naquele momento. Fechou a porta à chave, automaticamente.
Estava sozinha em casa, imaginando o que os pais estariam fazendo, a 250 quilômetros dali, àquela hora. Deixou a bolsa sobre o sofá, sentou numa das poltronas, no escuro. Já passavam das 9 da noite. Soltou os cabelos e tirou os sapatos, lembrando o ultimo dialogo do dia. Se é que aquilo tinha sido um diálogo.
Jogou os sapatos pro chão e deixou a cabeça pender pra trás, num gesto inconsciente. Ficou ouvindo o silêncio por alguns minutos, listando mentalmente o que ainda tinha para fazer. E o que ainda podia fazer. Talvez fosse mesmo passional demais. E não gostou de ser descoberta tão rapidamente na sua passionalidade.
Levantou e foi até o banheiro.
— Perdedora.
Olhou-se friamente, analisando seu próprio olhar. Viu seu avesso, iludida pelo reflexo do espelho, o rosto trocado, o direito no esquerdo. Ficou perguntando para a outra no espelho, se ela a conhecia, mas não esperou pela resposta. Preferiu dar às costas, sem sabe-la. Sem saber-se. Preferiu o esconderijo da ignorância. Preferiu o café e os cigarros.
Foi até a cozinha. Continuava com as roupas molhadas e não tinha a intenção de trocá-las. Não por enquanto. Gostava do contato gelado da roupa úmida. Colocou, devagar, a água quente na xícara, deixando que o café a tingisse de preto. Esqueceu do açúcar, mas lembrou-se de acender o cigarro. A mesma marca que ele fumava.
A fumaça do Marlboro encheu a cozinha - se minha mãe estivesse aqui ia me encher o saco - e a primeira tragada queimou-lhe a garganta. Sentiu o gosto do cigarro e lembrou-se do beijo. Em um minuto reconstruiu a noite, detalhe por detalhe.
Provou o café. Estava ruim, mas não quis levantar para melhora-lo. Deixou-se estar perdida, ao longe, sentindo na boca o gosto dele. Não entendia como havia se apaixonado por alguém com gosto de Marlboro e chegou a rir da situação. Cômico, se não fosse trágico.
A iminência de perde-lo encheu-lhe os olhos de lágrimas. Não queria tê-lo apenas no gosto do Marlboro, enquanto o cigarro estivesse aceso. Queria-o em todos os gostos e de todos os jeitos. Queria-o no café sem açúcar, no chocolate meio amargo, nos morangos. Queria-o na cama, na mesa, sob a água quente do chuveiro, que zerava sua cota de pecados todos os dias, preparando-a para os do dia seguinte.
Sentiu o vento gelado que vinha da janela aberta. Era boa a sensação do vento entrando pela roupa ainda molhada, arrepiando-lhe a pele e fazendo-a estremecer. Olhou as unhas já roxas do frio. O café já tinha terminado, o cigarro também.
Acendeu outro e levantou. Mais uma vez o gosto dele na boca. Abriu a porta e deixou a chuva, agora mais intensa, cair no rosto, misturando-se com as lágrimas que desciam suavemente de encontro à boca. Se não tivesse sentido o gosto salgado, talvez não percebesse que estava chorando. Agora sim, lembrou das frases todas.
— Tu ta bêbada!
— Não to!
— Claro que ta! Nem vai lembrar disso amanha!
— Vou sim, claro que vou!
— Quero só ver...
Lembrou da cerveja quente, da vodka. Dos beijos ensurdecedores. Os olhos que a observavam como que ditando as regras às quais ela se fez criada. Não sentiu raiva. Gostou de tê-lo naquela noite, mas tinha consciência de que, pra ela, não era o bastante, do mesmo jeito que sabia que pra ele era suficiente. Sabia que mesmo que ele tivesse gostado dela, do jeito de menina-mulher, o cabelo no rosto, o sorriso, os olhos azuis, não iria procura-la. Ele sim preferia tê-la só no gosto do Marlboro. Ou da cerveja quente. Ou da vodka. Tinha mais certeza disso pelo tchau seco com que ele se despedira depois da conversa amena de algumas horas atrás.
Deu a ultima tragada, jogou o resto do cigarro fora e voltou para dentro de casa. Encostou-se atrás da porta, pensativa. Já não tinha mais o sabor do beijo dele na boca. Tinha, na verdade, a certeza de que não o teria mais. Não realmente. Não queria depender do Marlboro para sentir o gosto daquela noite. Mas sabia o que faria na manhã seguinte, quando o encontrasse na faculdade. Iria sorrir e pedir discplicentemente:
— Me dá um cigarro?


Uma versao feminina do meu [conto sem título]? Talvez...
E antes que outras pessoas digam o contrário: esse conto nao é autobiográfico! Tá, só os olhos azuis e Porto Alegre...