terça-feira, outubro 04, 2005

Gosto de Marlboro

Entrou apressada, fugindo da chuva que começava de novo. Uma garoa fina, chata, que encobrira Porto Alegre durante o dia todo. Gostava dos dias cinzas, ainda que lhe parecessem taciturnos, e gostava, em especial, dos dias chuvosos, apesar de, ironicamente, fugir da chuva naquele momento. Fechou a porta à chave, automaticamente.
Estava sozinha em casa, imaginando o que os pais estariam fazendo, a 250 quilômetros dali, àquela hora. Deixou a bolsa sobre o sofá, sentou numa das poltronas, no escuro. Já passavam das 9 da noite. Soltou os cabelos e tirou os sapatos, lembrando o ultimo dialogo do dia. Se é que aquilo tinha sido um diálogo.
Jogou os sapatos pro chão e deixou a cabeça pender pra trás, num gesto inconsciente. Ficou ouvindo o silêncio por alguns minutos, listando mentalmente o que ainda tinha para fazer. E o que ainda podia fazer. Talvez fosse mesmo passional demais. E não gostou de ser descoberta tão rapidamente na sua passionalidade.
Levantou e foi até o banheiro.
— Perdedora.
Olhou-se friamente, analisando seu próprio olhar. Viu seu avesso, iludida pelo reflexo do espelho, o rosto trocado, o direito no esquerdo. Ficou perguntando para a outra no espelho, se ela a conhecia, mas não esperou pela resposta. Preferiu dar às costas, sem sabe-la. Sem saber-se. Preferiu o esconderijo da ignorância. Preferiu o café e os cigarros.
Foi até a cozinha. Continuava com as roupas molhadas e não tinha a intenção de trocá-las. Não por enquanto. Gostava do contato gelado da roupa úmida. Colocou, devagar, a água quente na xícara, deixando que o café a tingisse de preto. Esqueceu do açúcar, mas lembrou-se de acender o cigarro. A mesma marca que ele fumava.
A fumaça do Marlboro encheu a cozinha - se minha mãe estivesse aqui ia me encher o saco - e a primeira tragada queimou-lhe a garganta. Sentiu o gosto do cigarro e lembrou-se do beijo. Em um minuto reconstruiu a noite, detalhe por detalhe.
Provou o café. Estava ruim, mas não quis levantar para melhora-lo. Deixou-se estar perdida, ao longe, sentindo na boca o gosto dele. Não entendia como havia se apaixonado por alguém com gosto de Marlboro e chegou a rir da situação. Cômico, se não fosse trágico.
A iminência de perde-lo encheu-lhe os olhos de lágrimas. Não queria tê-lo apenas no gosto do Marlboro, enquanto o cigarro estivesse aceso. Queria-o em todos os gostos e de todos os jeitos. Queria-o no café sem açúcar, no chocolate meio amargo, nos morangos. Queria-o na cama, na mesa, sob a água quente do chuveiro, que zerava sua cota de pecados todos os dias, preparando-a para os do dia seguinte.
Sentiu o vento gelado que vinha da janela aberta. Era boa a sensação do vento entrando pela roupa ainda molhada, arrepiando-lhe a pele e fazendo-a estremecer. Olhou as unhas já roxas do frio. O café já tinha terminado, o cigarro também.
Acendeu outro e levantou. Mais uma vez o gosto dele na boca. Abriu a porta e deixou a chuva, agora mais intensa, cair no rosto, misturando-se com as lágrimas que desciam suavemente de encontro à boca. Se não tivesse sentido o gosto salgado, talvez não percebesse que estava chorando. Agora sim, lembrou das frases todas.
— Tu ta bêbada!
— Não to!
— Claro que ta! Nem vai lembrar disso amanha!
— Vou sim, claro que vou!
— Quero só ver...
Lembrou da cerveja quente, da vodka. Dos beijos ensurdecedores. Os olhos que a observavam como que ditando as regras às quais ela se fez criada. Não sentiu raiva. Gostou de tê-lo naquela noite, mas tinha consciência de que, pra ela, não era o bastante, do mesmo jeito que sabia que pra ele era suficiente. Sabia que mesmo que ele tivesse gostado dela, do jeito de menina-mulher, o cabelo no rosto, o sorriso, os olhos azuis, não iria procura-la. Ele sim preferia tê-la só no gosto do Marlboro. Ou da cerveja quente. Ou da vodka. Tinha mais certeza disso pelo tchau seco com que ele se despedira depois da conversa amena de algumas horas atrás.
Deu a ultima tragada, jogou o resto do cigarro fora e voltou para dentro de casa. Encostou-se atrás da porta, pensativa. Já não tinha mais o sabor do beijo dele na boca. Tinha, na verdade, a certeza de que não o teria mais. Não realmente. Não queria depender do Marlboro para sentir o gosto daquela noite. Mas sabia o que faria na manhã seguinte, quando o encontrasse na faculdade. Iria sorrir e pedir discplicentemente:
— Me dá um cigarro?


Uma versao feminina do meu [conto sem título]? Talvez...
E antes que outras pessoas digam o contrário: esse conto nao é autobiográfico! Tá, só os olhos azuis e Porto Alegre...

8 Comments:

Blogger ::Pensamentos Efêmeros:: said...

Não me odeie, mas... Essa história do "parece mas não é" não me convenceu...
Eu só disse "aham" por educação!

12:25 AM  
Blogger Gabriela Zago said...

bem legal o conto...
parece mto pra naum ser, mas tudo bem :P hehe

1:25 AM  
Anonymous Anônimo said...

eu tinah te avisado que não acreditariam
euahueioeuha
>)

1:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

vai ser difícil tu me convencer do contrário, muito difícil

e bah, sublime... adorei

beijoca

11:55 PM  
Anonymous Anônimo said...

oooops

é meu o comentário aí de cima

11:56 PM  
Blogger Cris Rodrigues said...

Adoro teus contos (tá, eu não li mtos, eu sei, mas gostei dos q eu li)... Mas, só os olhos azuis e Porto Alegre?? tá, desculpa, não pude evitar o comentário...

12:46 AM  
Blogger Cris Rodrigues said...

Ah, outra coisa, nd a ver com o assunto, mas td bem...
Não imaginava q a gente fosse se dar tão bem... gostei muito de te conhecer...

12:47 AM  
Anonymous Anônimo said...

Muito bom o conto, melhor dos três, agora fazendo coro ao resto da gurizada só os olhos azuis e porto alegre?

Bjão

12:42 AM  

Postar um comentário

<< Home